quarta-feira, 16 de abril de 2014

Fez o que pode…


“Fez o que pode…” é uma afirmação que ouço recorrentemente da mesma pessoa e que me costumava eriçar os pelos dos braços.
Punha-me inicialmente nesse estado porque surgia sempre que alguém, de alguma forma, tinha falhado a outra pessoa soando sempre a “boa desculpa”.
Depois porque me começou a parecer demasiado redutora, uma verdade de La Palisse. Se alguém prometer ajudar outra pessoa com alguma coisa e, em vez disso, decidir ir ao cinema… fez o que pode, baldou-se, lol. Não é no entanto como se fosse a sua única opção, se acreditarmos no livre-arbítrio.
Tive no entanto de acabar por dar o braço a torcer, sendo evidente que, no limite, cada um age efectivamente consoante aquilo de que é capaz no momento.

Cheguei então à conclusão que o mal estava, não na expressão em si mas na forma conformista como é encarada e que até é uma noção que nos pode efectivamente ser bastante útil.
Pessoalmente não entendo as posturas de “sou assim, sou assim”. Acredito que todos podemos melhorar ao longo da vida, limar arestas, evoluir, adaptar-nos, trabalharmos para vivermos melhor com nós próprios e com os outros.
Acontece que, embora algumas com força de vontade e determinação possam ser ultrapassadas, cada um de nós tem as suas limitações, da mesma forma que temos pontos fortes, coisas nas quais somos bons, para as quais temos jeito.

Há muitos anos contratei uma empregada para cinco horas por semana. No primeiro (e último) dia passou cinco camisas nesse tempo e ficou toda empertigada quando lho apontei. Acredito que tenha feito “o que pode”, acredito que tenha perdido tempo para me impressionar, para as coisas ficarem impecáveis, a realidade é que, mesmo dando o devido desconto, a celeridade do seu trabalho não era de forma alguma viável.

Cada um de nós se confronta constantemente não só com as suas próprias características, como com as dos outros. Com atributos e acções relativamente aos quais faz julgamentos de valor, rotula de positivos ou negativos.
Cada um terá assim a sua noção do que considera um mau empregado, um mau patrão, um mau pai, um mau filho, um mau marido, um mau amigo…
No caso dos “maus” pontuais, dos "foste" em oposição ao "és", a coisa resolve-se por si, bastando que tenhamos consciência de que errar sendo humano, todos o fazemos.
Pode no entanto tratar-se de um “mau” intrínseco, há quem simplesmente “não sirva”, quanto mais não seja aos nossos olhos, para determinada função.

Uma coisa é certa, já dizia o “Parafuso” que “cada um é como cada qual, mas ninguém é como evidentemente”, não podemos sem dúvida esperar que os outros reajam ou tenham as atitudes que gostaríamos, como consideramos que deveria ser. 
Se olharmos a questão por este prisma a coisa parece logo mais aceitável, sim, fez o que pode, não o que tu farias ou desejavas que tivesse feito, é um facto.
Chegarmos a essa conclusão ajuda-nos sem dúvida a “aceitar o que não podemos mudar”, permite-nos eventualmente dar-lhes a abébia, deixar passar uma que outra coisa, como também no las deixam passar a nós. Não faz no entanto sempre com que seja suficiente.

O “que pode”, infelizmente, ás vezes não chega, ás vezes não serve.
Ou seja, permite-nos sem dúvida aceitar e reconhecer as diferenças e limitações de certas pessoas mas não as qualifica por isso para manter ou assumir determinadas funções nas nossas vidas.

Sometimes it is not enough to do our best; we must do what is required.  Winston Churchill


COM MÚSICA

terça-feira, 8 de abril de 2014

Someone to chase…



Pessoalmente simpatizo com o Matthew McConaughey, tanto quanto é possível simpatizar com alguém que não conheço de lado nenhum…

Gostei bastante do seu discurso de aceitação do Oscar.
[…] someone to look up to, something to look forward to and someone to chase […]
Passando à frente dos dois primeiros, afirmou que esse “someone to chase”, o seu herói, era ele próprio, daqui a dez anos. Que sabia que nunca iria realmente chegar a ser o seu herói mas que não desistiria de o perseguir e tomar como exemplo.

Interpretei as suas palavras como estando consciente de que não é perfeito, sabendo que tem ainda muitas arestas por limar, muito trabalho pela frente, mas estando decidido a não desistir de perseguir um ideal de si próprio, mesmo sabendo que nunca lá chegará. 
Não podia sentir mais empatia por esta postura.

Qual não é o meu espanto quando, nos dias que se seguiram, não só nos media como nas minhas próprias relações, o homem foi crucificado, apelidado de narcisista,  cagão,  convencido e de sei lá mais o quê.

Certo, estamos a falar de gente que na sua maioria não conhece provavelmente o senhor de parte nenhuma e neste caso o julga por meia dúzia de palavras que proferiu em público.
Acontece que é o que se passa com todos nós, não precisamos de ser figuras públicas.
Somos constantemente avaliados, julgados, etiquetados, por aqueles com quem, de alguma forma nos relacionamos, directa ou indirectamente.
Tudo o que dizemos ou fazemos é visto à luz dos olhos de cada um e interpretado por si.

Os nossos actos e palavras têm um sentido para cada um daqueles com quem interagimos.
A forma como nos vêem depende daquilo que são, daquilo em que acreditam, do que pensam, da forma como os fazemos sentir.
Mais, nem são só as nossas acções que acabam por nos definir mas o filme que fazem das mesmas, a sua  própria versão. As pessoas vêm o que querem ver e isso depende maioritariamente delas, não de nós.

Embora só agora esta questão me tenha inspirado um post, já muitas vezes tenho divagado interiormente sobre o tema. 
Quando leio sobre figuras públicas, por exemplo, pergunto-me sempre até que ponto serão  ou terão sido realmente tal como as apresentam.
As afirmações categóricas sempre me irritaram de sobremaneira. Não me refiro a factos, mas sim a intenções, posturas, ideias, sentimentos…

Mas “irritation is futile”, é mesmo assim que as coisas funcionam, todos vemos os outros através dos nossos próprios olhos. 
Não só analisamos e interpretamos o que de facto dizem e fazem como, que nem verdadeiros Hercules Poirots, colmatamos as lacunas do que não sabemos com assunções geradas pelo nosso próprio cérebro.
Cada um de nós acaba assim por ser a soma das várias versões que os outros criam.

Sobre parte disto temos algum controle, podemos medir as palavras que proferimos, ponderar os nossos actos, gerir a imagem que queremos transmitir. A etiquetagem final não está no entanto nas nossas mãos e as conclusões serão sempre e inevitavelmente subjectivas.

Figura pública ou privada, haverá sempre a nosso respeito opiniões mais e menos lisonjeiras, empatias e antipatias, posições mais obtusas ou radicais, em ambos os sentidos.
Mesmo aqueles que são considerados simpáticos pela maioria, têm os seus antagonistas, “haters gonna hate”, e até os seres mais odiados da historia do universo tiveram quem os amasse.

A opinião dos outros a nosso respeito, sobretudo se, tal como o Matthew McConaughey, tivermos pretensões a ir sempre melhorando ao longo da vida (hehe), é importante porque nos serve de bitola. Podemos ir ajustando o nosso comportamento, a nossa postura, consoante as suas reacções. Dado que a nossa maior interacção é com outros seres humanos, eu diria que ter uma relação agradável com os mesmos é uma prioridade.

É um erro no entanto querer agradar a Gregos e a Troianos, sob pena de perdermos a nossa coluna vertebral.
A opinião dos outros não nos deve servir de guia mas de referência. A sua reacção deve ser encarada como um espelho e não como um tribunal, e sem nos esquecermos de que alguns espelhos deformam.
Façamos o que fizermos, digamos o que dissermos, há-de sempre haver quem nos interprete mal, quem acredite no que lhe dizem a nosso respeito, quem nos atribua actos ou intenções que nunca existiram e perante tudo isto reaja em conforme, viciando assim a sua apreciação.

A única pessoa para quem realmente "somos" consistentemente, somos nós próprios, para todos os outros não passamos da ideia que fazem de nós.
É portanto a nós próprios, acima de todos, que devemos agradar, orgulhar, prestar contas e prometer melhorar. ;)


COM MÚSICA
Gloria Gaynor - I Am What I Am

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