Recentemente, ao navegar à deriva pela net, dei de caras com a clássica notícia do cão que se deixa morrer em cima da campa do dono e, claro está, os típicos comentários de uma série de gente a enaltecer a atitude.
Pessoalmente, sempre me fizeram muita confusão as posturas do tipo “se não te puder ter mato-te /morro”… ser dependente de alguém ao ponto da própria vida deixar de fazer sentido é uma coisa que me ultrapassa completamente.
Mas não precisando de ir tão longe, muitos parecem efectivamente confundir dependência com prova de amor.
Se consigo compreender e aceitar um romantismo exacerbado como movimento artístico este já não faz para mim qualquer sentido na vida real.
Exemplificando, há tempos fomos para fora uns dias e tive de arranjar quem ficasse com a nossa cãzinha.
Isto ainda não tinha acontecido, dado que raramente saímos de casa mais do que algumas horas e que das poucas vezes em que o fizemos a pudemos sempre levar connosco.
Isto ainda não tinha acontecido, dado que raramente saímos de casa mais do que algumas horas e que das poucas vezes em que o fizemos a pudemos sempre levar connosco.
Não sabendo como iria reagir, sendo uma criaturinha tão meiga e agarrada a nós, preveni a tia a quem a deixei relativamente à possibilidade de uma certa “neura”.
No meu regresso e para minha grande satisfação deparei-me com uma realidade bem diferente, basicamente esteve-se bem nas tintas para a minha partida.
E porque fiquei eu contente com isso, perguntar-me-ão vocês…
Ora bem, para começar, não a abandonei, não a deixei num canil duvidoso, como disse deixei-a com uma tia, pessoa da maior confiança, com anos de experiência e grande amor pelos animais. Sabia que iria simultaneamente ser bem tratada, com respeito pelas minhas instruções, e mimada até mais não.
Recebo por outro lado diariamente provas do seu afecto por mim, da sua devoção, da sua lealdade.
Que ganhava alguma de nós com a sua aflição, com a sua tristeza, com o seu desespero?!
Há cães que nestas situações deixam de comer, ficam deitados à porta à espera do regresso do dono, etc… era o que temia que acontecesse.
O facto de ter ficado como se em casa estivesse, encheu-me de alegria e paz de alma pois fiquei a saber que se alguma coisa me acontecer ela conseguirá ser feliz de outra forma.
Isso não me tira bocado, não faz com que goste menos de mim. Quando cheguei fez-me uma enorme “festa” não deixando qualquer dúvida de que estava radiante por me ver e voltar para casa.
Falo em cães mas com as pessoas passa-se o mesmo.
Pessoalmente não quero que ninguém precise de mim para viver. Quero que gostem de mim, que me dêem valor, que me queiram por perto mas que continuem a ser felizes se alguma vez lhes faltar. Quero ser uma escolha e não uma fatalidade.
Não me parece de todo saudável a exaltação do sofrimento, aquele espírito do fado que enobrece a dor, a desgraça, ninguém nasceu para sofrer. A ideia não é carpir as mágoas mas seguir em frente, continuando a fazer pela vida e pela felicidade. A ideia não é estar com alguém porque dela se depende mas porque é isso que queremos fazer.
Na canção que escolhi para este post, que por sinal adoro, a certa altura Brel diz:
Laisse-moi devenir / Deixa-me tornar-me
L´ombre de ton ombre / A sombra da tua sombra
L´ombre de ta main / A sombra da tua mão
L´ombre de ton chien / A sombra do teu cão
L´ombre de ton ombre / A sombra da tua sombra
L´ombre de ta main / A sombra da tua mão
L´ombre de ton chien / A sombra do teu cão
Eu cá não quero ser a sombra de ninguém, não gosto de sombras, gosto de luz, de muita luz, de sol, de calor… ;)
COM MÚSICA