Todos
os Sábados o meu pai passava no “Dimas” a comprar o seu tabaquinho, umas
quantas revistas e tudo o que tivesse saído desde a semana anterior de “Tio
Patinhas”, não só para nós mas porque ele próprio era leitor compulsivo dos “patos”,
como lhes chamava.
(as saudades que me atacaram agora… )
Algumas
das histórias eram sobre as aventuras do Huguinho, do Zezinho e do Luisinho,
sobrinhos do Donald, nos escuteiros Mirins.
Estas, giravam recorrentemente à volta da BA (boa acção) do dia. Acho
que acabei de me dar conta (Dahaaaaaa!) que aqueles livros tinham mais
profundidade do que a que eu lhes atribuía na altura. Bem, uns aprendem estas coisas no catecismo, eu aprendi nos livros aos quadradinhos... lol
Dito
isto, há já uns anos que me esforço, activa e conscientemente, por pôr em prática este “conceito”. Por
BA, para que não haja dúvidas, entenda-se qualquer acto altruísta, sem esperarmos nada em troca. Todos o
fazemos espontaneamente de vez em quando, suponho eu.
A
questão é que a vida anda difícil para todos nós. Pode ser que esteja
redondamente enganada, mas a sensação que tenho é de que estes possam ser
(internamente, para cada individuo) os tempos mais complicados que se viveram
nas últimas dezenas, senão mesmo centenas de anos. Não tenho memória de sentir este
desconforto, esta ansiedade no ar, quando era pequena. Julgo que as pessoas, no
geral, viviam a vida mais descontraidamente.
O
tempo parece ter sido uma das maiores perdas na evolução humana, ninguém tem
tempo para nada, andamos todos sempre a correr. Com as novas tecnologias de
comunicação, somos requisitados por N vias, N vezes por dia, o tempo de
resposta esperado sendo sempre “já”. Novos e velhos debatem-se
com problemas financeiros, crises de identidade, num mundo cada vez mais
fundamentalista em tantos aspectos, enfim…
Costuma
dizer-se que “de boas intenções está o inferno cheio”… acredito que ainda haja
neste mundo muita gente cheia delas, constato no entanto que, na maioria dos
casos, não chegam a passar disso. Infelizmente, não é difícil compreender
porquê; andamos tão focados a tratar das nossas próprias vidas, que muitas vezes
nos esquecemos de levantar os olhos do nosso umbigo.
Não
vou, no entanto, sequer abordar a questão de que o mundo seria muito melhor se
fossemos todos “uns para os outros”. Parece-me tão óbvio que até dói.
Não,
o que venho partilhar hoje convosco, e que não posso demonstrar, não consigo
provar, nem sequer me vou dar ao trabalho de tentar, é que a vida nos corre
muito melhor se regularmente praticarmos BAs. Sei que para
alguns isto é uma evidência, tão básica que nem precisava de ser
referida, e que outros são muito mais cépticos em aceitar uma relação de causa e efeito. Enquadro-me, obviamente, na primeira
categoria.
A boa
acção não precisa de ser a doação de um rim e a melhoria de vida não será
provavelmente o Euromilhões… embora qualquer uma das coisas seja possível. Não,
podem ser actos muito mais insignificantes e as consequências muito mais subtis.
Oferecer um sorriso e retribuir os bons dias à
senhora que nos atende algures, olhando-a nos olhos é, infelizmente, hoje em
dia uma boa acção. Vá-se lá entender porquê, a cortesia parece ter passado de
moda, mas continua a saber bem. Ligar para saber de amigos ou familiares com
quem não falamos há algum tempo, dispensar-lhes alguns minutos e dois dedos
de conversa, também já não acontece frequentemente. O céu é o limite… pequenos gestos, grandes ajudas…
maior ou menor sacrifício pessoal… as boas acções vêm em todas as cores e tamanhos.
O
problema é que, se não nos obrigarmos a “ser” assim, a ter este hábito, tal como
quem se obriga a fazer ginástica ou a lavar os dentes, o mais provável é que
nos baldemos… não por mal, não por falta de intenção, mas a vida mete-se pelo
meio, o tempo vai parar não sabemos onde, e quando damos por nós percebemos que
não temos feito nada pelos outros.
Acredito do fundo do coração que, tal como na tabuleta do café acima, a
vida nos saia um bocadinho “mais barata” se oferecermos regularmente um bocadinho de nós ao próximo.
Texto extraordinário que nos faz pensar, que nos resgata por instantes da "voracidade dos tempos de hoje" (como se nos libertasse do "tic-tac" infernal da vida e nos devolvesse o tempo roubado). Sim, porque o importante se conjuga com o verbo "SER" e não com o verbo "TER" - "eu SOU feliz" em vez de "eu TENHO sucesso". Dei por mim a pensar que o próprio texto é, em si, uma BOA ACÇÃO! Muitos parabéns, Cristina, por este resgate "da vírgula maníaca, do mundo funcionário de viver" que a arte (neste caso, a da palavra) é exímia em proporcionar!
ResponderEliminarObrigada, Gustavo.
ResponderEliminarHá muito que este post andava na minha cabeça, à espera de cá vir parar mas, o tempo não dando para tudo, a prejudicada tem sido a escrita.