terça-feira, 20 de maio de 2014

Todos os males sejam estes…



Todos passamos por fases mais complicadas de vez em quando, períodos mais ou menos longos em que parece que tudo está contra nós, momentos em que desmoralizamos, perdemos o fôlego, tendemos a ver o copo meio vazio…
Nessas alturas, mais do que em qualquer outra, é fundamental relativizar.

Costuma dizer-se “partiste uma perna, ainda bem que não partiste as duas…” Apesar de inegável que partir um osso seja menos mau do que partir dois, três ou quatro, a expressão imprime um cunho quantitativo à ideia que não me parece ser realmente o que potencialmente alivia. Aponta no entanto sem dúvida na direcção certa, no sentido de minimizar e relativizar as coisas.

Há tempos fui ao osteopata por andar aflita do braço direito, incomodo que tinha aparentemente origem nas cervicais. Disse-me que tinha também dado um jeito às lombares, que não estavam nada famosas. Quando comentei que não sentia nada a esse nível, respondeu que era devido ao estado lastimável das primeiras, que a dor sendo mais forte, eclipsava a outra mas que se não as tivesse tratado iria começar a senti-la.
Lembrei-me então que quando era miúda e uivava de dores do período, o que me proporcionava algum alívio era pôr uma botija de água a escaldar na barriga, pois as queimaduras tomavam a vez das cãibras. Saltava assim da panela para o lume mas enfim, na altura parecia fazer sentido.

Seja como for, é uma realidade que uma dor mais forte tende a fazer desaparecer ou pelo menos atenuar sensivelmente outra mais fraca.
Assim, empatizar com situações piores do que aquelas que vivemos, ter a noção do que poderia ser para além do que é, pode ajudar-nos enormemente.
Quem apregoa “com o mal dos outros posso eu bem”, nitidamente nunca fez efectivamente esse exercício. Se conseguirmos colocar-nos, nem que seja por breves instantes, na pele de quem sofre intensamente à nossa volta, sentiremos um real alívio relativamente aos nossos males.

Mais do que uma pessoa, no meu círculo de conhecimentos, anda há já algum tempo à luta com gravíssimos problemas de drogas com os filhos.
Só neste último mês morreram quatro pessoas com idades que rondavam a minha. Deixaram mulheres, maridos, filhos e um mar de dor à sua volta.
Um amigo nosso está desaparecido desde o fim do ano passado, foi presumidamente assassinado. A irmã dele foi encontrada morta em casa, esfaqueada, uns meses mais tarde. Ficaram assim os seus pais sem os dois filhos e três crianças órfãs.
Isto para só citar alguns exemplos.

Agora pergunto eu, o que são os meus “problemas” comparados com qualquer uma das coisas que acabei de descrever?!
Não se trata de fazer concursos de sofrimento. É evidente que o facto de termos alguém ao lado com uma perna amputada não impede que sintamos a dor de uma unha encravada.
A noção, no entanto, não só de escala e intensidade como de que daqui a dias estaremos como novos, enquanto que o outro continuará estropiado, não eliminando a dor, gera sem dúvida uma enorme sensação de alívio.

Uma das pessoas a quem contei uma das histórias acima comentou “que horror, prefiro nem saber essas coisas”. A questão é que só conseguimos ter uma noção de escala através da comparação. Certos “males” que nos poderão à partida parecer terríveis, empalidecem à luz de outros. Há que estar conscientes de que existem, de que “andem aí”, para podermos fazer a tal relativização.

Todos tendemos a carpir sobre as nossas aflições, os nossos problemas, as nossas dores. A auto comiseração parece ser uma tendência natural do bicho homem. Esta alimenta-se da observação dos nossos  próprios umbigos, da falta de empatia para com o próximo.
As coisas podem sempre ser bem piores do que são. Se tivermos essa noção bem presente, se olharmos essa eventualidade nos olhos, conseguiremos lidar com o que nos atormenta com muito mais serenidade, muito mais paz. Não quer dizer que não custe, que não doa, somente que deixaremos de o encarar como se fosse o fim do mundo.

Se nos habituarmos a pensar constantemente assim, tudo se torna efectivamente mais fácil.
Se o cancro tinha mesmo de me bater à porta, mil vezes antes na minha cadela do que no meu filho. Por muito que me tenha custado vê-la a sofrer, antes ela a fazer uma mastectomia do que eu. Quando penso nos meus amigos que perderam a irmã, vai agora fazer um ano, vitimada pelo mesmo mal, compreendo que isto não passou de um pequeno incidente na minha vida, que não se lhe pode de forma alguma atribuir mais importância do que isso.

Por todo o planeta, neste preciso momento, pelas razões mais diversas, há quem viva situações de dor atrozes, inimagináveis. Basta que tenhamos consciência de que existem para que a nossa pareça logo muitíssimo mais suportável, é bom olhar para o umbigo do vizinho, a empatia é uma coisa benéfica.
Como disse uma amiga no outro dia, é como acordarmos de um pesadelo e ficarmos aliviados por  não ser real… ;)



COM MÚSICA