sexta-feira, 27 de junho de 2014

O primeiro a sair


Em tempos que já lá vão, numas férias em grupo, como o são geralmente as nossas, deu-nos para irmos sempre todos ao estacionamento, despedir-nos de lencinho branco de quem estava de partida…
Numa das vezes, estávamos ali todos alinhadinhos abanando os lenços, a ver a miúda de abalada meter consecutivamente a primeira e a marcha atrás, a marcha atrás e a primeira, só me fazendo lembrar a anedocta “Ó Benardooo, o menino ou entra ou sai, mas pare com esse vaivém ridículooo…”
Deixei assim escapar entre dentes um “Chiça, como a gaja guia mal…” ao que sugeriram que esperasse que chegasse pelo menos lá acima ao portão, antes de lhe começar a cortar na casaca…

Isto, no nosso grupo, é o pão nosso de cada dia de cada vez que alguém vira costas, por isso é que ninguém quer ser o primeiro a sair. lol

Lembro-me de outra ocasião, numa passagem de ano bem condimentada, em que uma amiga já acelerada se virou para outro comentando “Ai João Nunooo, a tua camisola… a tua camisolaaa…” – “Oquê que tem a minha camisola?!” – “É horríííveeel!!!”

A diferença entre estas duas situações é que uma das coisas foi dita “na cara” enquanto que a outra foi dita “pelas costas”… nenhuma delas tem obviamente qualquer importância.

Nós fartamo-nos de falar uns dos outros, de criticar, de cagar sentenças sobre o que nos parece bem e o que nos parece mal, de gozar com as idiossincrasias de cada um, etc …
E você, que me está a ler, a não ser que seja marciano, também o faz.
Uns mais, outros menos, mas todos o fazemos, é natural.

Fazê-lo sem a presença do próprio parece no entanto, á primeira vista, um bocado traiçoeiro, desleal… mas será realmente assim?!
Na minha opinião, não obrigatoriamente.

Deixando de parte a fofoca , a maledicência nua e crua ou mesmo nalguns casos mais extremos a calúnia… que mal tem falarmos dos outros?!
A realidade é que, ninguém sendo perfeito, todos temos alguma coisa a “apontar” a terceiros e não vejo qualquer razão para que o tenhamos de fazer “para dentro”.
Partilha-lo tão facilmente nos trás algum gozo trocista, como eventualmente outro ponto de vista sobre a questão.

Pessoalmente, não só sei perfeitamente que falam de mim “nas minhas costas” como até imagino muito bem o que possam dizer… que tenho a mania que sou boa, que tenho um feitio de merda, que fervo em pouca água, que às vezes sou bruta como o raio, que sou maníaca com a organização… etc.
A questão é que é mesmo assim, têm toda a razão, estou bem consciente da maior parte dos meus defeitos, das minhas fraquezas, e todos os dias tento melhorar. Isto não quer dizer que me fosse agradável passar a vida a ouvir dizê-lo.

Na minha opinião, podemos pensar o que bem entendermos sobre os outros, sobre a sua vida, as suas escolhas, as suas atitudes… podemos partilha-lo com terceiros, discuti-lo, critica-lo… no entanto, perante os próprios, só devemos abrir a boca com diplomacia e se acharmos que isso possa ajudar.

Todos temos bugs, fragilidades, incapacidades, defeitos… assim como pontos fortes e qualidades. Acabamos no fundo por ser a soma das nossas características positivas e negativas, o importante sendo o balanço.  
Quanto mais não seja intuitivamente, os outros compreendem e aceitam isso. Por isso falam nas nossas costas, cada vez mais chego à conclusão que, na maior parte dos casos, não é desleal coisa nenhuma, antes pelo contrário, é para nos pouparem.

Ás vezes, temos vontade de dizer umas “verdades”. De vez em quando, o que fazem, o que dizem, o que são, dói-nos de tal forma que nos sentimos impelidos a abrir a boca e deixar sair o que nos vai na alma.
Quanto a mim, sobretudo se gostarmos realmente do indivíduo em questão, devemos tentar resistir ao impulso. Há coisas que as pessoas simplesmente não podem, não conseguem mudar e atira-las à sua cara servirá exclusivamente para as magoar, não para as corrigir.

Nem todas as “verdades” são para ser ditas… pelo menos ao próprio, claro está. lol






COM MÚSICA

segunda-feira, 2 de junho de 2014

O corte



Hoje vou escrever sobre cortes de cabelo, para a semana sobre unhas de gel e na seguinte discutirei vários métodos de depilação.
Nááá...
lol
Mas o tema de hoje mantém-se. ;)
A vida é feita de pequenas coisas, pelo que preciosas lições se podem retirar de questões aparentemente triviais. Vou portanto aproveitar a minha recente saga capilar para partilhar convosco algumas reflecções. 

Todos temos em casa espelhos deformantes, raramente conseguimos um olhar realmente isento sobre nós próprios. Quando o ego está em alta achamo-nos o máximo, se sofremos de falta de auto-estima começamos a comparar-nos com o Smeagol
A realidade é que as aparências são como os interruptores, umas vezes para baixo, outras vezes para cima. Até as mediáticas beldades têm momentos de fugir, nós é que geralmente não os vemos. 
Dizia Schopenhauer que "a mulher é um animal de cabelos compridos e ideias curtas" o que no meu caso foi uma realidade desde que me lembro de ser gente. 
Bem, pelo menos no que diz respeito aos cabelos. 
Assim, ne me prenant pas pour de la merde (pardon my french) era grosso modo esta a imagem que geralmente o meu espelho reflectia. 



As desgraçadas das maquinas fotográficas começaram no entanto, cada vez mais, a apresentar-me uma realidade bem diferente e bastante menos lisonjeira…


Parece-me fundamental irmos mantendo, ao longo da vida, uma boa noção daquilo que somos, dos nossos atributos, das nossas características, tanto físicas como intelectuais. Essa consciência é essencial para que possamos ir sempre melhorando o que for possível trabalhar. 
Uma das coisas relativamente às quais tendemos a fazer-nos desentendidos é a idade, ninguém gosta de se sentir a envelhecer. Arriscamo-nos no entanto a enfrentar o ridículo se nos recusarmos a assumi-la. 
Uma mulher madura mascarada de Pipi-das-meias-altas é patético. Assim o são aos meus olhos aquelas "Barbies enrugadas" (esta paga direitos de autor) que aparentam ter assaltado o roupeiro das filhas. 
Do mesmo modo, o look Lady Godiva não me parece de forma alguma adequado a aspirantes a velhas. Aliando essa conclusão a uma necessidade de mudança, de perder peso, em sentido próprio e figurado, decidi-me a fazer um corte de cabelo radical. Ou pelo menos julgava eu na altura mas tanta água iria ainda correr... lol
Foi assim com este visual que celebrei o meu quadragésimo nono aniversário. 


Fiquei bastante satisfeita, confesso. O peso que me saiu das costas contribuiu  para me levantar o moral e ajudar a recuperar forças para enfrentar esta vida, que não anda nada fácil. 
Gostei tanto que, pouco tempo depois, toda afoita voltei a cortar...
Foi o primeiro erro. 
Depois de passada a magia do cabeleireiro, o comprimento demasiado curto passou a devolver-me a seguinte imagem, assombrando o meu espírito com visões da tia-bisavó Mariquinhas num dia mau.


Tomei então a segunda decisão idiota do ano, decidindo alisar o cabelo. 
Alisar implicava corte, corte quer dizer encurtar, cabelo curto, como já expliquei, nunca foi a minha praia. Estava assim digamos que um pouco nervosa. 
Fiz então a terceira asneira (vou deixar de as contar porque foram umas atrás das outras) que foi confiar no cabeleireiro e deixar-lhe, até certo ponto, a liberdade do corte.
Tenho duas características que frequentemente não jogam nada a meu favor. A primeira é uma enorme vontade de agradar, a segunda uma dificuldade irracional em resistir a desafios. 
O cabeleireiro em questão sendo meu amigo, mais razões ainda tinha para querer agradar. Por outro lado, desafiou-me a confiar na sua tesoura, com o argumento (perfeitamente válido, convenhamos) de que o cabelo cresce.
Saí assim de lá com este visual. 


Céus, o tamanho do meu nariz, credo. Dizem que nariz, orelhas e pés não param de crescer ao longo da vida, se assim fôr não tarda mudo o nome para Cyrano. Passons...
Não ficou mal, convenhamos que não ficou mal de todo. 
Não tem nada a ver comigo, com a minha personalidade, não sou uma pessoa certinha, arrumadinha, compostinha... sou esgrouviada, selvagem, rebelde, irreverente... mas não ficou mal, acho que conseguia viver uns tempos dentro daquela cabeça. 
Isto, claro está, se fosse gaja...
Fazia a depilação, pintava as unhas, pegava na escova e no secador e montava aquela bolinha impecável à volta do crânio. Acontece que me dá a volta à tripa perder o meu precioso tempo neste tipo de actividades. 
Assim, sem mais trabalho do que lavar o cabelo e deixar secar ao ar, fiquei então com este aspecto. 


Lindaaa... parece que fui lambida por uma vaca!
As coisas não me estavam nitidamente a correr de feição e, para quem tencionava elevar o moral, digamos que o tiro saiu pela culatra. Comecei a ver a minha vida a andar para trás. 
Decidi voltar ao local do crime e pedir-lhe para dar um jeito à coisa. Passei largas horas na net, a estudar cortes, e muni-me de fotografias exemplificativas, tendo o cuidado de lhes apagar as carinhas para não baralhar, pois um coirão como eu nunca poderia ficar com a pinta daquelas brasas. 


Não, não era nada disto em que estava a pensar, não. Ele próprio não ficou satisfeito. Saí de lá em choque, frustrada, revoltada, a considerar como iria fazer para encarar aquela cara de cu de cada vez que lavasse os dentes. 
Estava atordoada, baralhada, as várias senhoras que passaram pelo salão enquanto lá estive saíram com cortes que lhes ficavam a matar. Entrei numa de "porquê eu?!"...
Cheguei então à conclusão que cortar cabelos é como fazer sexo com alguém. Pessoalmente acredito que não há bons nem maus amantes, há química, entendimento, pessoas que se encaixam, que compreendem o que o outro quer, do que gosta... É pessoal e intransmissível e é ridículo zangarmo-nos quando não funciona.
Assim, consciente que daqui para a frente não poderemos ser mais do que amigos (lol) e aproveitando o facto de ter ido para fora, pus-lhe descaradamente os cornos e lá se foram mais uns quantos centímetros de cabelo. 


E pronto, é este o meu new look no fim de toda esta saga…
Sim, parece que acabei de ter alta do asilo, onde andei a levar electro-choques.
Perante os consecutivos ataques da tesoura foi o melhor que se arranjou e pelo menos agora o invólucro tem a ver com o que se passa lá dentro.
As reacções têm sido diversas, à maioria parece agradar, outros fazem um sorriso amarelo e dizem diplomaticamente "estás tão diferente".
"Opinions are like assholes, everyone has one." ;)
Mas o que realmente importa é que me sinta bem na minha pele.

Foi um longo caminho para aqui chegar. Algumas das pessoas que acompanharam este mini-drama não compreendiam porque continuava a insistir, sobretudo porque quem me conhece sabe que não ligo muito a estas coisas. A realidade é que senti nitidamente uma perda de identidade, não me identificava de todo com a imagem que reflectia. Estou agora fisicamente muitíssimo diferente do que sempre fui, mas sinto-me eu, e isso é o que realmente importa não se estou bonita ou feia pois qualquer um de nós vai alternando entre os dois, independentemente do corte de cabelo. 




COM MÚSICA