sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Cheques sem cobertura

WTF?!

As palavras, tal como os cheques, têm de ter provisão.
Depois de lhe dar um valente enxerto de porrada o marido agarra-se à mulher, pedindo desculpa, dizendo que a ama, que não tornará a fazer… pelo menos até à próxima. Mmmm... pois.

Deparo-me recorrentemente, no Facebook e no Pinterest , com a frase que coloquei em cabeçalho deste post. Deixa-me sempre a reflectir  sobre como certas pessoas encaram a vida e as relações com os outros de uma forma, para mim, totalmente absurda.

“Pedir desculpa nem sempre quer dizer que estejamos errados e a outra pessoa certa. Quer dizer que valorizamos mais a nossa amizade do que o nosso ego.”

Hein? Desculpe?!
Estarei a ver mal as coisas ou os pedidos de desculpa são esperados quando, de alguma forma, lesamos ou magoamos alguém?!
Estar certo ou errado? Como assim, certo e errado?!

Na minha opinião, quem divulga a frase acima, valoriza garantidamente mais o seu ego do que qualquer outra coisa.
Considera que desculpar-se é dar o braço a torcer, humilhar-se, atirar a toalha ao chão, como se de um combate se tratasse… pronto, leva lá a bicicleta.
Pede desculpas não por sentir genuinamente que deve mas por achar que tem que, para por uma pedra sobre o assunto, para o mandar para trás das costas. Como se assim pudesse apagar o sucedido, fazer “reset” e seguir em frente como se nada fosse. Julga que ao fazê-lo toda a dor desaparece, como por milagre.

Um pedido de desculpas que não seja sentido, que não venha do fundo do coração, não só não serve absolutamente para nada, como nem sequer deveria, quanto a mim, ser feito.
Até podemos achar que tínhamos a tal “razão”, podemos inclusivamente continuar a defendê-la, as desculpas que pedimos podem ser por não termos tido outra opção senão magoar. Mas ou lamentamos realmente, se não os nossos actos, pelo menos as suas consequências, ou mais vale estar calado, pois pedir desculpa nestes casos só piora a situação.

Só devemos “pagar” aquilo que consideramos que devemos mas se passarmos um cheque a descoberto estamos a ser desonestos.
“Fogo, desculpa lá, pronto…”
“Já passou tanto tempo e ainda não desculpaste isso…”?!
Pagar com uma nota falsa só reforça o dano e o tempo não apaga estas “dívidas”, neste caso a situação não prescreve, o não pagamento mantém as feridas abertas ad aeternum.

Pedir desculpa, mesmo quando sinceramente, não é uma fórmula mágica que resolva tudo de um momento para o outro. Pedirmos desculpa não apaga o que aconteceu, não o torna ok aos olhos do outro. Simplesmente permite que comece a sarar e, com tempo, deixe de doer. É o que lhe abre o coração para a aceitação das nossas fraquezas, o que lhe permite ter consciência do facto que todos somos humanos e como tal todos erramos. É o que inspira a confiança de que tudo faremos para que não se repita.

Neste post coloquei uma imagem com uma frase com a qual não concordo de forma alguma e uma música que diz o contrário daquilo que penso... nunca é tarde demais para se pedir desculpa pois fazê-lo, cedo ou tarde, não implica de forma alguma que as coisas voltem ao que eram.
Pedir desculpa é um acto independente, pedir genuinamente desculpa é um acto libertador, para quem pede e para quem recebe o pedido. Pedir desculpa é afirmar a nossa humanidade e empatia para com outro ser humano.


Muitos não têm infelizmente noção do poder que têm as palavras, as que dizemos e as que calamos.


COM MÚSICA

terça-feira, 20 de janeiro de 2015

Meio Século





No Sábado passado fiz cinquenta anos!
Qual é a diferença entre fazer 49, 50 ou 51, perguntar-me-ão vocês… teoricamente muito pouca, evidentemente. No entanto, talvez por vivermos num mundo “decimal”, a realidade é que a passagem de uma década para outra mexe sempre connosco. Tipicamente nestas alturas fazemos pontos da situação, analisamos o que foi, imaginamos e planeamos o que pode vir a ser.

Quando estamos à espera de bebé, parece que de repente vemos grávidas por todo o lado. Reparamos muito mais nas crianças que nos rodeiam. Pomo-nos a galar os carrinhos que passam por nós. Tornamo-nos muito mais atentas às conversas sobre o tema.
Se pensamos comprar determinado carro, reparamos de repente que há montes deles em circulação. Se alguém que conhecemos tem um igual, observamos todos os detalhes com muito mais atenção, fazemos perguntas, lemos avaliações, fazemos comparações.

Quando caminhamos para velhos, é igual.
Parece que subitamente o mundo está cheio deles e passamos a vê-los com outros olhos. Interessamo-nos por questões que dantes considerávamos não nos dizer respeito. Artigos sobre temas relacionados, pelos quais anteriormente passávamos como cão por vinha vindimada, despertam-nos agora curiosidade. A análise da forma como os outros enfrentam a idade torna-se um exercício interessante.

Cinquenta anos é ser-se “velho”?!
Claro que não, de forma alguma, só mesmo aos olhos dos putos. lol
Pelo que consegui averiguar, actualmente a esperança de vida das mulheres, em Portugal, é de cerca de 82 anos. Isto quer dizer que aos cinquenta ainda têm potencialmente pela frente quase outros tantos. Se forem da laia do Manuel de Oliveira poderão mesmo duplica-los e ainda continuar por aí fora alegremente… ;) Sendo que a ciência e a medicina evoluíram de tal forma que tudo isto se passa com cada vez mais qualidade de vida.

Agora, novos já não somos, não… isso, só os muito mais velhos é que afirmam. lol
É mais ou menos por esta altura que a máquina começa a dar sinais de desgaste. Corpo e mente começam a baixar a performance, a perder a fiabilidade. De repente precisávamos de braços mais compridos, temos mais cerâmica na boca do que marfim e se nos sentarmos no chão mais de dez minutos é preciso chamar uma grua. Não vivemos sem agendas e lembretes. A máquina fotográfica deixa de ser amiguinha. O tema da morte passa a ser assunto de reflexão.

Há quem se deprima muito com tudo isto, quem tente desesperadamente remar contra a maré, agarrar-se com unhas e dentes a uma aparência e um estilo de vida que já não são nitidamente os seus.
O sentimento de perda é uma coisa complicada.
Encarar a idade como tal parece-me no entanto muito redutor, é ver o copo meio vazio.
Sempre acreditei que quando se fecha uma porta se abre uma janela. Como dizia a minha professora de história da arte, quando mudávamos de período, “não é melhor, nem pior… é diferente”.
A maior parte das pessoas só aprecia o que gostaria de ter ou eventualmente perdeu, não dá realmente valor àquilo que tem. Compara-se constantemente com os outros, mas sobretudo com os que, na sua opinião, estão melhor, em melhor forma, mais bonitos, mais elegantes, mais saudáveis, mais novos. Vê-se através dos olhos alheios, dá uma importância disparatada ao que os outros pensam…

Assim é de facto complicado não stressar com a idade.
Por um lado, cada vez mais aqueles que nos rodeiam irão ser mais novos que nós. Haverá cada vez mais gente a achar que estamos velhos e por velhos entenda-se muito pior do que estamos na realidade. lol
Por outro, se nos agarrarmos ao que ficou para trás, dificilmente conseguiremos realmente curtir o que temos pela frente. Se nos considerarmos no início do fim, para muitos de nós, irá ser um fim terrivelmente longo, uma verdadeira chatice. ;)

O convívio com gente de várias idades, géneros, opiniões, etc, é, na minha opinião, do mais salutar que há. Abre horizontes, fornece matéria para reflexão, mantém-nos actualizados e ligados à realidade.
O convívio regular com malta da nossa faixa etária é, na minha opinião, fundamental. É o que faz com que não sintamos tanto o peso da idade, darmo-nos conta que é realmente o curso natural da vida, que é quase igual para todos e sobretudo que ainda temos imenso para dar e receber.

O nosso grupinho do Tarot já perfaz uma idade somada próxima dos trezentos anos… hehe… as nossas quintas-feiras são uma galhofa, estamos todos sensivelmente no mesmo estado e não nos coibimos de gozar com o assunto. Não há melhor remédio do que o sentido de humor e não nos levarmos demasiado a sério. Estamos no entanto todos no mesmo barco e compreendemos bem como os outros se sentem, pelo que estão a passar, o que é muito reconfortante.
Não consigo sequer imaginar como se possam sentir os velhos jarretas e as barbies enrrugadas, pela “night” fora, a tentar “enturmar” com putos que quase poderiam ser seus netos.

Acreditem se quiserem mas não trocava os meus cinquenta anos pelos vinte de ninguém. :)


COM MÚSICA

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

domingo, 11 de janeiro de 2015

Merci Charlie





Tendo passado as primeiras décadas da minha vida num meio essencialmente francófono, mantenho até hoje uma forte ligação com os velhos franco-belgas através da música, por um lado, e da BD por outro.
Ainda há poucos dias nos estivemos a rir com minha velha camisa de noite com desenhos do Wolinsky... Qual não foi o choque quando soube que era uma das vítimas do ataque em Paris.
Talvez por isto tenha dedicado mais tempo do que o que seria para mim natural a ler o que vai "saindo" sobre o assunto. Matéria não falta, está por todo o lado, parece que toda a gente tem alguma coisa a dizer.
Também eu tenho evidentemente a minha opinião mas que não interessa agora para nada, pois não foi ela que me inspirou este post. Li várias criticas ao facto de se estar a dar bastante mais importância a esta tragédia do que a outras que aconteceram pela mesma altura, algumas delas com muitíssimas mais vítimas.
É no entanto efectivamente do Charlie que todos mais falam. Falam chefes de estado e representantes de organizações várias, falam jornalistas e bloggers, fanáticos religiosos e hackers, católicos, judeus e muçulmanos, falam vocês e falo eu...
Subscrevo que a vida de um cartoonista famoso não valha mais do que a do empregado da redacção, da mesma forma que a da menina de cinco anos, atirada da ponte pelo seu próprio pai, não vale mais do que a de qualquer uma das vitimas dos ataques na Nigéria... Tenho lido discursos bem elaborados e claros e outros em que metem completamente os pés pelas mãos. Tenho lido opiniões inteligentes e sensatas e outras completamente imbecis. Tenho lido artigos de jornais e comentários no Facebook.
Não acho que as notícias sobre o Charlie eclipsem nenhuma das outras, antes pelo contrario, talvez lhes dêem mais peso ainda. Todas elas nos fazem gritantemente ver como tudo está podre, como tanta coisa tem realmente de mudar se quisermos manter a humanidade.
Começo no entanto a achar que o importante não é tanto que todos sejamos (ou sigamos) Charlie ou que alguns sejam Charlie e outros não ou se somos Charlies ou Ahmeds... não, o que me parece realmente importante é haver tanta, mas tanta, gente a pensar, a perguntar-se genuinamente qual é a sua opinião, a sua postura relativamente ao assunto. Sinto que este ataque abanou muita gente, acordou muita gente. Que foi uma espécie de gota de água relativamente a uma situação mundial, um estado das coisas, que não é aceitável, que não é mais comportável. Posso estar enganada (espero que não) mas tenho a sensação que o mundo, de alguma forma, mudou, depois do ataque ao Charlie Hebdo...

COM MÚSICA

domingo, 4 de janeiro de 2015

Just don't let the music die...



Ontem estive a ver o filme do meu casamento, com os filhotes de dois amigos que se conheceram nesse dia. Ficaram entusiasmados com a ideia de conhecer uns pais 22 anos mais novos e ainda sem qualquer laço entre eles...

Não tenho por hábito rever filmes. Alguns nem sequer os vejo, acreditem ou não. Tenho cerca de uma dúzia de cassetes com filmagens dos primeiros anos do meu filho e algumas delas nunca sequer as liguei à televisão.
Há, no entanto, regularmente alguém que pega num dos nos álbuns que tenho espalhados pela casa e revemos imagens do passado. De vez em quando, por alguma razão, remexo nas fotos que tenho no computador e perco-me em visões de outros tempos, de outras vidas, de outras caras.
Todos estamos habituados a ver fotografias antigas, nossas e dos outros... Todos conhecemos a sensação de nos confrontarmos com um "céus, como o tempo passou"...
Nada tem no entanto o impacto da imagem animada e sonorizada...

Em termos de filmes comerciais, sou daquelas espectadoras que se entregam totalmente àquilo a que estão a assistir. Há quem dê atenção ao detalhe, à música, à fotografia, aos erros de racord... eu vivo o que estou a ver, entro no filme e sinto o que estão a sentir.
Talvez seja por isso que, instintivamente, não procuro visionamentos de outros tempos. Acredito que a vida é hoje, aqui e agora, o passado serve-me para ir moldando o futuro. Não me interessa lá voltar...

Ontem revi muita gente. Alguns não via há muito tempo pois já não andam por cá, foi bom voltar a passar uns momentos na sua companhia. Outros, tais como os amigos que referi, eram pessoas, em variadíssimos aspectos, muito diferentes das que são agora. E eu... bem, não sei bem quem era... revivi aqueles momentos como se lá estivesse outra vez, mas não me consigo rever naquela pele. A realidade é que nenhuma das pessoas que aparecem naquele filme ainda existe.

Muita água correu desde então...  Todos aqueles jovens já são hoje em dias pais. Nós, os mais crescidinhos, só não estamos em vias de ser avós porque cada vez se tem filhos mais tarde, temos no entanto a idade dos "velhos" da altura. Tenho agora a idade que tinha a minha mãe quando me casei.

Olhando para eles compreendemos que, expectavelmente, nos anos a vir, já não vai haver muito mais mudanças significativas. A maior parte dos grandes marcos da vida já ficaram para trás, para nós. Uniões e separações, filhos, mudanças de casa, de emprego, de objectivos, são coisas essencialmente da juventude. Não quer dizer que não venha a acontecer, uma que outra, a cada um de nós, mas não mais viveremos o turbilhão das primeiras décadas.

Acredito assim que, apesar de passar a correr sem que compreendamos onde foi parar o tempo, o último troço das nossas vidas, sem grandes estímulos externos, possa não parecer muito empolgante.
Os actores principais dos grandes filmes começam a pertencer às gerações abaixo. Deixa de ser tanto "eu isto", "nós aquilo", para ser mais "o meu filho isto", "a minha sobrinha aquilo".
A certa altura temos de nos compenetrar que já somos "clássicos" (lol), que o que nos espera daqui para a frente são sobretudo papeis secundários.

Esta é uma ideia que põe muita gente fora de si, que deprime ou revolta, consoante os feitios. Que a faz desistir de continuar sempre a tentar evoluir e melhorar. Que a impele a tentar levar um estilo de vida que já não é nitidamente para "a sua idade". Que agarra de tal forma alguns ao passado que se tornam seres de aparência alienígena.

A viagem, cá mais para o fim, é mais calma, menos tumultuosa, mas nem por isso menos fascinante.
Os desafios vêm cada vez menos de fora e mais de dentro. Se tudo tiver corrido bem, teremos reunido matéria-prima da qual retirar agora muito sumo. Passámos anos a "fazer" uma vida, é agora altura de a vivermos.

Pois os mais novos olham para nós como se estivéssemos a ficar fora de prazo, como nós olhávamos para os nossos pais e tios…
Mal sabem eles, jovens tontos, que ainda agora estamos a começar, que a grande aventura, o maior dos desafios, é mesmo envelhecer em beleza, em paz, serenidade e sensatez...

De nós depende não deixar morrer a música...





COM MÚSICA