sexta-feira, 6 de maio de 2016

A epidemia






Nos últimos tempos tenho recebido, umas atrás das outras, notícias de separações de amigos e conhecidos, parece uma epidemia.
A maior parte destas rupturas está a dar-se em aparentemente estáveis relações de longa data, o mais curioso sendo que, em todos os casos que conheço um bocadinho mais intimamente, a razão é a mesma; algum dos membros do casal considera a relação insípida e sente necessidade de emoções mais fortes.

Devo confessar que não só me faz pena, como também alguma confusão, ver pessoas que aparentemente se entendiam tão bem seguir cada uma para o seu lado, mas quem somos nós para julgar o próximo. Se há coisa que compreendi e interiorizei é que somos sem dúvida muito diferentes uns dos outros na forma de sentir, de pensar e de agir. Para além disso, da vida alheia, só conhecemos sempre a ponta do iceberg, pelo que cada um sabe de si

Sou a primeira a defender que “quem não está bem, muda-se”, não acredito em ficar juntos por qualquer outra razão que não seja a mutua vontade que assim seja.
No entanto, cada vez mais me vou dando conta que “estar bem” não cai das árvores, requer geralmente esforço e empenho.
Para além disso pergunto-me, nestes casos em que as separações parecem dever-se acima de tudo a um desencanto, ao desgaste pela rotina e pelo tempo, se os que se afastam não irão em perseguição de unicórnios.

Notem que admito que possam existir relações quase perfeitas. Acredito nisso, tal como acredito que haja pessoas simultaneamente bonitas, elegantes, inteligentes e simpáticas. Assim como estou consciente que, quase todas as semanas, alguém ganha o euromilhões.
Convenhamos no entanto que fazer as nossas vidas na esperança que nos calhem a nós será talvez um excesso de optimismo, na dúvida é melhor não contarmos com isso. A esmagadora maioria dos mortais move-se num mundo em que a perfeição, seja lá no que for, está bem longe…
Assim, o outro não irá provavelmente ter algumas características que nos fazem uma falta imensa e outras terá sem as quais viveríamos de bom grado. O que me parece realmente importante é que o balanço seja positivo, não se pode ter tudo.

As relações podem no entanto ser constantemente melhoradas, nós é que a partir de certa altura, preguiçosamente, tendemos a baixar os braços.
No início tudo é maravilhoso, tudo é “perfeito”. Depois começamos a tentar limar arestas, ajustar agulhas, pôr pontos nos iis. Quando as coisas se tornam aceitáveis e entram em velocidade de cruzeiro, normalmente deixamo-las andar.

No entanto, da mesma forma que acredito que, até ao dia da nossa morte, nos devemos tentar corrigir e melhorar, assim encaro também as relações. Muitos deixam de se esforçar quando as coisas já estão razoavelmente bem, para não se chatearem, para não terem trabalho.
Mas há sempre alguma coisa a afinar. Não devemos, a meu ver,  baixar os braços, conformar-nos, contentar-nos com o que já conseguimos. Comecemos com as questões de fundo e sigamos para o detalhe. A perfeição pode ser uma utopia mas há que tentar aproximar-nos dela tanto quanto possível, enquanto nos for possível.
Manter uma relação requer investimento de tempo e energia.

O frisson inicial vai esmorecendo, as emoções fortes vão dando lugar a uma sensação de paz, de segurança, de aconchego. Ao fim de um tempo, as relações amorosas vão se parecendo cada vez mais com relações de amizade. Alimentam-se de respeito mútuo, de confiança, de uma sensação de conforto e descontracção. A paixão vai-se transformando em cumplicidade, companheirismo, intimidade.

Claro que, não só entendo, como inclusivamente sinto atracção pela novidade, pelo prazer e entusiasmo da descoberta. É inebriante a excitação da sedução, o encanto do primeiro beijo, a febre das primeiras aventuras em vale de lençóis. Tudo coisas que ao fim de uns tempos deixamos de sentir.
E quando entramos nessa fase, quantas vezes não chegamos à conclusão que afinal não é tudo tão fantástico como prometia. Depois do sumo espremido, frequentemente nos damos conta que afinal não é tão nutritivo como esperávamos.
E lá recomeçamos tudo de novo…
Diz-se que quem muito quer tudo perde. A perseguição de chutos de adrenalina, arrisca-se assim a levar-nos, at the end of the day, a uma sensação de frustração, de vazio. O óptimo é inimigo do bom.

Qualquer relação tem sempre um período de experiência. Se este tiver sido positivamente ultrapassado, se estivemos muito tempo com alguém, a menos que sejamos masoquistas, por alguma razão foi.
É muito gratificante sentir que construímos algo em conjunto, que temos um passado, uma história em comum.
Li algures uma frase que adorei; não é possível fazer novos “velhos amigos”.
A antiguidade conta, tem peso, tem valor. Vale a pena, a meu ver, empenharmo-nos a fundo nas relações de qualidade, nas pessoas que realmente apreciamos, mesmo que já não nos tragam nada de novo.


COM MÚSICA