terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Dessa água não beberei

COM MÚSICA



Há já muitos anos que me apareceram os primeiros cabelos brancos… ao longo do tempo a coisa foi-se intensificando. ;)
Conforme a minha cabeleira se ia tornando grisalha muitas das pessoas à minha volta se sentiam impelidas a comentar o facto.

Alguns, poucos devo dizer, davam-me os parabéns pela minha “coragem” e afirmavam que me ficava muito bem.
A maioria, de uma forma mais ou menos diplomática, mais ou menos empolgada, mais ou menos violenta, criticavam-me frontalmente e tentavam convencer-me a pintar.

Durante muitos e longos anos fui vítima de assédio (lol) por parte de família, amigos e, como não podia deixar de ser, cabeleireiros.
Diziam que ficava com um ar pesado, que parecia mais velha…
Mais velha quanto, costumava eu perguntar. Pareço ter sessenta anos? Não, isso também não, respondiam… Cinquenta? Não. Pareço ter que idade então, quarenta e cinco?! Sim.
Ora bolas, isso é a idade que eu tenho!!! Então não pareço mais velha, não pareço é mais nova do que realmente sou.

Alguns tinham uma reacção tão visceral, que até chegava a parecer que tinham alguma coisa a ver com isso.
Cheguei a ter a sensação de estar a trair algum segredo, como se o facto de assumir os meus cabelos brancos, lembrasse constantemente a todos que é natural tê-los a partir de certa idade.

Repetidamente afirmava que não tinha a mínima intenção de os pintar.
Apesar de tentar, de um modo geral, evitar empregar as palavras sempre e nunca, qualquer expressão que tenha empregue para exprimir a minha opinião sobre o assunto, tinha sem a mínima dúvida implícita a ideia de que “dessa água não beberei”.

Não era uma casmurrice gratuita, tinha as minhas razões…
Para começar, sendo esta a que sempre falou mais alto, não tenho qualquer jeito ou vocação para ser mulher. A ideia de me comprometer com mais um dos grilhões da condição feminina não me atraía portanto por aí além.
Depois, sempre tive consciência de que, uma vez que se comece, é muito difícil voltar atrás.
Finalmente, não vejo qualquer problema em assumir a idade. O corpo vai-se deteriorando, rugas e flacidez vão-se instalando aqui e ali, perdemos o ar fresco da juventude mas tudo isto me parece largamente compensado pelo que ganhamos em sabedoria e paz de espírito. Considero-o portanto uma troca justa.
Devo também confessar que o ar de  bruxa, que a minha cabeleira me conferia, não de desagradava de todo. Hehe

Até que um dia, a minha ginecologista, com um ar doce, me disse:
- Cristina, permite-me que lhe dê um conselho?! Porquê que não corta o cabelo?
Cruzes, credo, canhoto… Eu cá sou como o Sansão, não me falem em cortes de cabelo.
Tendo-se nitidamente apercebido de que por aí não ia a lado nenhum, corrigiu:
- Ou então… pinte… Sabe o que é?! É que o cabelo grisalho comprido fica com um ar tão desleixado…

Alto e pára o baile!!! Desleixado?! Eu tenho um ar desleixado?
No elevador confirmei… tinha sem dúvida um ar desleixado… :(
Velha, bruxa, pesada, eu aguento, eu assumo, eu não me importo… agora desleixada é que não pode ser nada, não gosto cá de desleixes.
No dia seguinte tinha o cabelo pintado. lol

Neste momento estão-se vocês a perguntar, por que raio veio ela hoje com conversas frívolas sobre cabelos e tintas… ;)
É que há várias conclusões a tirar desta história.

Abraçar a ideia da mudança foi sem dúvida assustador. Como podem ter compreendido pela descrição, esta foi uma guerra que travei durante muitos anos. Acabou por ser uma característica que me definia. Era aquela que se recusava a pintar o cabelo, contra tudo e contra todos. De certa forma, foi como se passasse a ser uma pessoa diferente, perdi parte da minha antiga identidade. 
Tenho no entanto, sem dúvida, de reconhecer que estou com "melhor aspecto”, que a mudança me fez bem.

Dar o braço a torcer não é fácil para ninguém e, se alguns o torcem com jeitinho para não magoar, outros há que, já que nos pusemos a jeito, tiram verdadeiro prazer em fazê-lo com toda a força que têm. Enfrenta-los e reconhecer que, de uma forma ou de outra tinham razão, é um excelente exercício de humildade.
Como dizia o Churchill, “Eating words has never given me indigestion”.
O mesmo se aplica aos defensores do “avô cantigas” que se sentiram traídos pelo meu acto de rendição.

Cheguei também à conclusão de que  remar contra a maré é um trabalho inglório. Quer queira quer não (e o que eu queria fazer xixi de pé contra as arvores… lol) sou gaja, não há nada a fazer. E, na sociedade em que vivemos, a maioria de nós faz a depilação e pinta o cabelo para não ficar com o tal ar considerado desleixado. Por muito trabalho que dê,  por muito chato que seja ou dinheiro que custe…  Resistance is futile!

Finalmente, prova-se que não é com vinagre que se apanham moscas. A única pessoa que me conseguiu fazer mudar de ideias fê-lo sem reprovação implícita, como simples constatação de facto e partilha de opinião. Perguntou, sugeriu, não afirmou, o que para os teimosos como eu faz toda a diferença.
Talvez tenha também escolhido melhor as palavras, aquelas que efectivamente mexeram comigo. Talvez os outros pensassem exactamente a mesma coisa mas não o tenham querido dizer, para não ferir susceptibilidades ou simplesmente por não se terem lembrado de colocar a questão nesses termos. A forma como nos exprimimos é de extrema importância.

Dito isto, falo-vos em cabelos mas a questão aplica-se um pouco a todos os campos das nossas vidas. Há coisas que somos renitentes a mudar.
Conheço uma pessoa que sempre se recusou a pôr os pés num barco, que jurava a pés juntos que era incapaz e que, hoje em dia, ganha regatas internacionais. Conheço outra que afirmava detestar certos alimentos, sem nunca os ter provado, que numa certa viagem começou a comer de quase tudo, "como as pessoas". Outra ainda que afirmava que morreria se não pudesse ter filhos e que, a certa altura, abdicou de os ter, por opção de vida.   

Não, mudar de opinião, mudar de atitude, mudar de hábitos, não é fácil não senhor... mas se, por alguma razão, acharmos que vale a pena tentar... porque não?!

Para a semana acho que vou rapar a cabeça e tatuar qualquer coisa no alto da moleirinha… ;)




quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Amores da loja do chinês

COM MÚSICA



É um erro comum partirmos do princípio de que amar tem o mesmo significado para toda a gente… nessa óptica, ou se ama ou não se ama.
Se alguém se enquadra nos nossos standards do que é o amor, gosta de nós, senão é certamente porque afinal não gosta.
Era bom que fosse assim tão simples, infelizmente a vida não é a preto e branco.

A nossa forma de amar tem a ver com muitos outros traços do nosso carácter. A demonstração desse afecto também.  Em suma, como tudo o resto, está relacionada com a nossa postura perante a vida.

O amor é um sentimento, como tal sujeito a intensidade.
O que fazemos com ele é uma questão de atitude.

Afirmar que se gosta de alguém é assumir que essa pessoa tem um papel especial na nossa vida, que está “mais perto do nosso coração” do que outras por quem não nutrimos qualquer tipo de sentimento, que nos são no fundo indiferentes.
Mesmo se inconscientemente, todos temos uma escala interior por comparação; gostamos muito, gostamos pouco, gostamos assim assim.
Isto refere-se à parte quantitativa.

Da forma como demonstramos o nosso amor depende a qualidade do mesmo.
A pessoa amada pode senti-lo mais ou menos intensamente, consoante as atitudes do outro para consigo. Tem a ver com o tratamento especial e preferencial e a atenção que lhe é dedicada.
O resultado prático é que, relativamente a certas pessoas, mesmo sabendo que gostam de nós, sentimos que se não gostassem ou gostassem menos a atitude seria a mesma.

As possíveis demonstrações passam por uma preocupação real com o bem estar alheio e pelo que podemos, da nossa parte, fazer para o proporcionar. Passam por, através da empatia, conseguirmos entender os sentimentos do outro e agirmos conforme gostaríamos que fizessem connosco se estivéssemos na mesma situação. Pedem sacrifícios  quando, postas as coisas numa balança, os interesses do outro falem mais alto. Requerem disponibilidade para apoiar e ajudar, dentro das nossas possibilidades, quer seja com palavras ou com acções. Implicam respeito e consideração pelo outro e que o tratemos como igual. Pressupõem dedicação e entrega.

Enfim… há várias formas de “provar” o nosso amor por alguém… há no entanto quem ache que não tem de o fazer, que senti-lo é mais do que suficiente.
Uma tripla da loja do chinês não tem direito ao nome de tripla?! Com certeza que tem.
Pela sua fraca qualidade e fiabilidade, arriscamo-nos é a que nos incendeie a casa…

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Expectativas

COM MÚSICA


“Esperava outra coisa de ti…”
Quem já não pensou, disse, ouviu, uma coisa semelhante?!
O sentimento associado é de desilusão, mágoa, ressentimento por vezes… a pessoa em questão não esteve à altura das expectativas.

Normalmente encaramos isso como uma falha do outro, como se a “culpa” fosse dele. Será?!
Não tenho dúvidas de que existam pessoas maliciosas, manipuladoras, que se nos apresentem da forma que mais lhes convier com o objectivo de levarem a água ao seu moinho.
Acredito no entanto que sejam uma minoria absoluta.
No geral, as expectativas somos nós próprios que as criamos.

Quando conhecemos alguém, havendo empatia, começamos por tirar-lhe as medidas.  Passamos depois geralmente por um test-drive, em que apalpamos terreno e, caso nos sintamos satisfeitos, avançamos para a “compra”.
Apesar de algumas pessoas serem definitivamente mais cautelosas do que outras no que diz respeito à entrega, ao grau de envolvimento inicial, embora a duração do período de “satisfeito ou reembolsado” possa variar, a certa altura do campeonato esta decisão acaba por ter de ser tomada.

Imaginemos que o leque das nossas relações é uma estante… em que, para as prateleiras inferiores, chutamos as pessoas que não temos em grande consideração, de quem não esperamos grande coisa… e nas superiores, nas que estão mais perto do coração, colocamos aquelas por quem sentimos maior admiração.

Quando sentimos apreço por alguém, tendemos a valorizar as suas facetas mais agradáveis e a subestimar as outras, ao ponto ás vezes de nem as querermos ver. Nessa perspectiva, criamos no nosso cérebro uma imagem lisonjeira da pessoa.
Quanto mais dela gostarmos, mais quereremos ver o seu lado positivo, mais alto a colocaremos na nossa estante e quanto mais alto, maior a queda.

A nossa análise do carácter e personalidade alheios não passa de uma visão pessoal e subjectiva daquilo que é efectivamente o outro.
O desenho que dele fazemos não passa de uma interpretação do que vemos, que não corresponde obrigatoriamente à realidade, ou pelo menos a toda a realidade.
Os seres humanos são criaturas complexas, ricas em características, que não conseguimos nunca apreender por completo.

Não seria inédito, ao descrevermos alguém a si próprio, este não se reconhecer. Ao pintarmos o seu retrato, se sentir nitidamente favorecido. E quantas vezes, se no lo disser, o encararemos como derivado de modéstia, não concordando com as suas contraposições.

Por outro lado, todos temos as nossas limitações. Das nossas, estamos geralmente conscientes, as dos outros podem passar-nos durante muito tempo ao lado, até que se apresente a ocasião de virem ao de cima.

Não é igualmente de menosprezar o factor mudança… Aqueles que somos hoje, podemos já não ser amanhã, a experiência de vida muda-nos, as prioridades vão-se alterando e quem está à nossa volta não se dá obrigatoriamente conta disso.

Voltando a citar George Bernard Shaw:
“The only man I know who behaves sensibly is my tailor; he takes my measurements anew each time he sees me. The rest go on with their old measurements and expect me to fit them.”

Resumindo e concluindo, geralmente as pessoas não nos decepcionam, nós é que nos decepcionamos devido a expectativas goradas. Logo, ficar chateado com o outro é perfeitamente ridículo. Por muito que nos possa custar, assumir que pudéssemos estar enganados ajuda a ultrapassar a frustração.
Querer que os outros estejam sempre à altura daquilo que esperávamos deles é utópico, é preciso manter a elasticidade de rearranjar a nossa estante ao longo do tempo e consoante as experiências que formos tendo, sem dramas, como simples constatação de factos.

As boas notícias são que ás vezes também nos deparamos com a surpresa de passar alguém para uma prateleira superior. ;)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A postura

COM MÚSICA


Há dias… semanas… meses… anos… que não nos correm nada bem.
Todos, volta não volta, passamos por períodos mais negros.
Problemas financeiros, de saúde, relacionais, etc, ás vezes ensombram-nos o horizonte, deixando-nos de rastos, sem fôlego.

Devemos questionar-nos sobre se estamos a fazer tudo o que está ao nosso alcance para resolver as coisas. Uma resposta positiva não nos trará no entanto, só por si, grande consolo. A nuvem continuará a pairar por cima das nossas cabeças.

Nessas alturas a tendência é encolhermo-nos num sentimento de autocomiseração. Quem não está bem, sente-se vulnerável e logo tende a fechar-se sobre si próprio, numa postura defensiva.
Se se derem ao trabalho de observar as pessoas à vossa volta na rua, facilmente identificarão algumas nesse estado de espírito.

Acredito no entanto que, para além das acções, a nossa postura perante na vida seja crucial. Quem se sente derrotado, mais facilmente o será efectivamente pelas contrariedades do caminho. Como se costuma dizer “a sorte favorece os audazes”… ;)
Sem querer ir tão longe, assumirmos uma atitude de “coitadinhos” é que não serve efectivamente para nada.

Fui descobrindo um que outro truque, que ajudam a ultrapassar o dano emocional que estas coisas nos causam:

Tentarmos esvaziar a mente de preocupações, em todos os momentos em que não podemos agir relativamente a elas.
As pausas são fundamentais, não só para poupar o fôlego necessário para enfrentar as provações, como para ganhar recuo e clareza de espírito.
Quem alguma vez, ao nadar, já se viu aflito para chegar a terra, terá certamente compreendido que parar para descansar pode ser a melhor forma de se aguentar à tona.
Estarmos constantemente a remoer as questões, não resolve nada e só nos irá desgastar.
Como dizia a Scarlet Ohara: “I can't think about that right now. If I do, I'll go crazy. I'll think about that tomorrow.”

Assumirmos baby steps. “Roma e Pavia não se fizeram num dia”…
Por muito que nos aflija e a quiséssemos ver para trás das costas de uma vez por todas, se a questão é complicada, não se irá provavelmente resolver de um momento para o outro, como por milagre.
Não convém olharmos para o topo da montanha, para não desmoralizarmos, mas para o que está imediatamente em frente ao nosso nariz, um passo de cada vez.
É preciso ter paciência, reconhecer pequenas vitórias, regozijarmo-nos com elas, encara-las como o princípio do fim da crise.

Compararmo-nos com pessoas com problemas semelhantes e tentarmos pôr-nos no seu lugar.
Mas olhando “para baixo”, nunca para cima, há sempre quem esteja numa situação mais complicada do que a nossa.
Believe it or not, a óptica do “partiste uma perna, ainda bem que não partiste as duas”, ajuda bastante. Não há nenhuma situação suficientemente grave que não pudesse ser mais grave ainda.
Se nos mantivermos atentos, em vez de nos fecharmos numa conchinha de self-pitty, facilmente nos daremos conta de que há quem esteja muito pior do que nós.
Talvez não sirva de consolo, mas serve garantidamente de bitola.

Dar valor ás coisas boas que ainda temos na vida, apreciá-las, realçar o seu papel.
Raramente tudo é efectivamente negro, as pessoas é que ás vezes se recusam a abrir os olhos para se dar conta disso.
Por muito mal que alguns campos possam estar, há de haver outros que nos podem de certa forma compensar, se lhes dermos a devida importância.
Quando estamos na fossa tendemos a desprezar, numa atitude quase masoquista, coisas que nos poderiam no fundo ajudar a ultrapassar essas fases mais difíceis.

“Não há mal que sempre dure, nem há bem que nunca acabe”
Ás vezes não vemos a luzinha ao fundo do túnel, mas devemos fazer por acreditar que daqui a uns tempos tudo não passará de uma dolorosa recordação.
Mesmo que não estejamos a ver qual seja, não há problemas sem solução, tudo se resolve.
Como?! Já dizia o dono do teatro do Shakespeare in Love: “I don't know. It's a mystery.”

Finalmente dei-me conta de que a postura física, propriamente dita, tem imensa influência.
Ás vezes, nestas alturas, damos por nós a andar quase que a arrastar os pés, curvados, de olhos postos no chão, com uma respiração curta e intermitente.
Endireitar as costas, encolher a barriga, levantar a cabeça, respirar profundamente… provocam uma sensação de confiança, de optimismo.
Mesmo que na prática possa não ser o caso, ficamos com a sensação de já estar a caminho da vitória.


“If you are going through hell, keep going! “
Winston Churchill

;)