terça-feira, 9 de setembro de 2014

Sem stress…


Na semana passada tive de ir fazer uns exames e aproveitei para a seguir passar no Ikea. Cada vez mais me sinto uma pacóvia quando me desloco à metrópole, percebi finalmente porquê.

No consultório, as senhas de vez encravaram na máquina, o que gerou uma relativa confusão no atendimento. Algumas pessoas desatinaram com a senhora que estava ao balcão, esta reagiu de forma ríspida e desagradável. Num instante se criou ali um ambiente pesado, sem grande razão de ser dado que na realidade ninguém acabou por perder nem tempo nem vez.
Na caixa do Ikea abandonei o carrinho durante uns segundos para ir buscar um saco para as compras e não uma mas duas famílias me passaram à frente. Pressenti que tentar recuperar o meu lugar na fila iria provocar um verdadeiro pé de vento, fiquei-me.
Finalmente, no estacionamento, um senhor por pouco não me abalroou em marcha atrás por ter surgido outro carro, também ele a galar o lugar de onde estava a retirar o meu. Notem que havia outros alguns metros mais à frente. Quando passei por ele ainda vociferou na minha direcção.

No regresso a casa vinha a pensar no assunto e dei-me conta que levo uma vida com muito pouco, para não dizer praticamente nenhum stress.
Tenho problemas e preocupações, lido com dificuldades e contrariedades, sinto dor e tristeza, às vezes ansiedade ou angústia… mas a realidade é que o stress raramente “me assiste”.
Sempre funcionei muitíssimo mal sob pressão, como tal sempre fugi dela como da peste e tento erradica-la da minha vida em tudo o que me é possível. 
Isto não se faz sem custos, sem abdicar de determinadas coisas, muitas delas directamente ligadas ao lado material. Permite-me no entanto, em certa medida, escapar a esta calamidade da vida moderna. 

Durante a vida académica, por exemplo, é comum trabalhos e estudo serem deixados para a última hora. A maior parte dos meus coleguinhas adiava o inevitável até aos limites, alguns deles afirmando inclusivamente ser muito mais produtivos desta forma. Eu sempre tive a atitude contrária, despachando logo o que houvesse a despachar, para poder relaxar a seguir.
O facto de ser naturalmente responsável e organizada permite-me adoptar quase que inconscientemente esta postura. Não deixa no entanto de ser necessário um trabalho consciente, quando as coisas não dependem de nós, no sentido de aprender a evitar tensões desnecessárias.

Assim, quando tenho de estar em algum lado a uma hora certa, por exemplo, dou um desconto para imprevistos e saio um bocado antes do que estimo ser necessário para lá chegar. Quando planeio e organizo o meu dia-a-dia, faço-o de forma realista, não tentando meter o Rossio na Rua da Betesga.
Tenho também vindo a aprender a não assumir os atrasos alheios, se a responsabilidade não é minha, descontraio, relaxo, o mesmo se passando quando fiz ou estou a fazer tudo o que esteja ao meu alcance para tratar de determinada situação, mesmo que ainda não esteja resolvida.
Basicamente cheguei à conclusão que preocupar-me não resolve absolutamente nada e stressar ainda menos. No que me respeita só serve mesmo para me diminuir as capacidades, provocando inevitavelmente desfechos negativos. Para além disso sinto nitidamente que me envenena, me corrói a qualidade de vida de uma forma inaceitável.

Mas, mais uma vez nenhum homem sendo uma ilha, não basta tentarmos cortar no nosso stressezinho pessoal. Se quisermos realmente um mundo melhor, é preciso que também nos coibamos de o mandar para cima dos outros.
É essa nuvem negra, essa tensão, que se sente na rua, no trânsito, no atendimento em geral, que me incomoda quando me desloco hoje em dia a Lisboa e me faz sentir como se vivesse na província. Aqui não se sente de todo com o mesmo peso, e notem que não vivo propriamente no Alentejo profundo, demoro menos tempo da minha casa ao Marquês do que alguém que more nos Olivais…

Já devem conhecer a definição de segundo; o tempo que demora entre o sinal passar para verde e o fdp que está atrás de nós começar a buzinar… ;)
Ouvi sensivelmente as mesmas buzinadelas desde que cá estou, há nove anos, do que num só dia mais complicado na capital. Simplesmente não se usa, não é hábito, não é comum.
Assim, eu que era uma buzinadora de primeira, deixei também de o fazer. Apito para alertar sobre algum perigo e, confesso, volta não volta com uns palavrões à mistura, como sinal de protesto se alguém faz asneira da grossa. Não enterro a mão na buzina para apressar as pessoas.

Na vida profissional,  é sempre tudo “para ontem”. No entanto, quantas vezes não exigem prazos que obrigam a trabalhar à noite, ao fim de semana, para depois ficar tudo não sei quanto tempo em águas de bacalhau… “para ontem”, tirando raras excepções, casos de força maior, é um timming absolutamente obsceno, se era para ontem tratassem do assunto anteontem.
Pessoalmente, tento sempre não pressionar ninguém quando não estou efectivamente com pressa. É muito curioso sentir o misto de espanto e alívio, quando alguém se está a desfazer em desculpas devido a alguma demora, e lhes respondemos sinceramente “não tem problema, esteja à vontade”. Até parece que ouvimos o chiar da descompressão… lol

A vida actual parece uma corrida contra o tempo, andamos sempre a mil. Não tem no entanto de ser sempre assim, muitas vezes fazemo-lo porque não trocamos de mudança, de registo. Corremos e pressionamos os outros a fazê-lo por “defeito”, porque é aquilo a que estamos habituados. 
Basta no entanto que cada um de nós abra os olhos e desacelere um bocado, que lute activa e conscientemente contra este estado das coisas, para que tudo mude. 
Infelizmente, como em tantas outras coisas, a maioria encolhe os ombros e decreta que não há nada a fazer.

COM MÚSICA

Platters - Sixteen Tons


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