quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Fight Club

COM MÚSICA

As discussões, apesar de indesejáveis, são por vezes inevitáveis…

Isto faz-me lembrar a história dos dois tipos que se reencontram, ao fim de muitos anos.
Um está velho e gasto e o outro mantém-se jovem e de aspecto saudável.
O primeiro pergunta ao outro:
- Ó homem, parece que o tempo não passou por ti… como é que fazes isso?!
- Olha, é muito simples, descobri um truque… eu nunca contrario ninguém, assim não me chateio…
- Nunca contrarias ninguém?! Mas isso não é possível…
- Pois não.
;)

Não sei se existe quem nunca tenha tido uma discussão na vida.
É possível… talvez… não sei.
A realidade é que o comum dos mortais as tem.
Só que, na minha opinião, as mesmas são tantas vezes mal “conduzidas” que não servem o seu propósito.
Perguntar-me-ão vocês “Atão e qual é o propósito de uma discussão?”
Pois…

Uma discussão serve, na minha opinião, para expor o nosso ponto de vista, para acertar agulhas, para questionar e rectificar qualquer situação que “esteja mal”.
Geralmente discute-se um problema, um problema que existe entre as partes envolvidas.
Os problemas têm tendência a alterar-nos, a mexer com as nossas emoções, daí se chamarem discussões e não conversas.
Temos à nossa frente, nesse momento, um “adversário” com quem disputamos um jogo, o jogo do puxar a brasa à nossa sardinha.

Ora é aqui que a porca torce o rabo… muitas pessoas nesses momentos consideram o outro, não como um adversário mas como o “inimigo”, o “homem a abater”.
Ora não é de todo obrigatório que assim seja, quem discute connosco não nos quer obrigatoriamente mal. Nem tão pouco no fim alguém tem de “perder” ou “ganhar”.


As discussões transformam-se então em verdadeiros combates de boxe.
As pessoas tendem a perder a perspectiva, a objectividade, o bom senso, a compaixão… e transformam-se em verdadeiras feras.

Vou contar-vos um episódio que se passou comigo, há já vários anos, que exemplifica bem o que estou a tentar transmitir…
Um dia portei-me mal… é verdade, portei-me muito mal com uma pessoa, tive um dos meus “pequenos acessos de raiva”, fui agressiva, bruta, malcriada.
Quando caí em mim tentei, dentro da medida do possível, reparar o erro.
Escrevi um longo pedido de desculpas onde tentava justificar a minha atitude… Quando fazemos merda, fazemos merda e esta fica feita, infelizmente a vida não tem botão de undo.
Só nos resta reconhecer os nossos erros e esperar ser perdoados.
A razão da minha explosão deveu-se a vários factores… a um dia complicado, a um período extremamente difícil da minha vida… mas também a um “saltar da tampa”, na sequência de atitudes da outra pessoa envolvida.
Na minha longa missiva tentei explicar tudo isso. Tentei dizer as coisas com tacto. Sobretudo, tentei dar mais ênfase ás coisas boas que essa pessoa me trouxe na vida do que ao negro episódio em questão. Isto para que entendesse que não passava justamente disso mesmo, de um episódio, e que o importante era tudo o resto que havia de bom entre nós.
Quando nos encontrámos frente a frente, foi uma carnificina… Fui acusada de coisas que nunca pensei vir a ouvir na vida… de ser mal educada, ingrata, egoísta, má mãe, má “esposa” e muitas outras coisas, que não tinham rigorosamente nada a ver com o episódio em questão. Tudo isto me foi gritado aos ouvidos, com ressentimento, rancor, azedume…
Do que tinha referido por escrito, só as palavras de recriminação foram assimiladas, só as queixas… os louvores e as demonstrações de amor não foram tidas em conta.
Na parte da discussão propriamente dita, acabei mais por ser um punching bag do que um adversário… a partir do momento em que realizei que nada do que pudesse dizer iria fazer diferença, calei-me.
Conclusão, uma atitude infeliz, errada é certo, transformou-se num “caso”… e a realidade é que as coisas nunca mais voltaram a ser as mesmas entre nós… algo se quebrou nesse dia.
Estou a falar de uma pessoa de quem gosto muito e que sei que gosta muito de mim… mas a relação, essa, sofreu um abalo do qual nunca recuperámos totalmente.


Esta pequena história serviu simplesmente para ilustrar onde estava a querer chegar… escolhi-a porque contém praticamente todos os elementos que considero “errados” no que diz respeito a discussões e que passarei agora a enumerar…


Não é aconselhável discutir assuntos “a quente”… o tempo é relativo, podemos “arrefecer” ao fim de umas horas ou continuar a “espumar pela boca”, lol, uns dias depois. Seja como for, enquanto os ânimos não acalmarem é, na minha opinião, um erro abordar o assunto. Negar-mo-nos a falar causa menos dano do que os disparates que por vezes se dizem nessas alturas. Enquanto as brasas ainda estão quentes não é aconselhavel tentar retirar as cinzas da lareira…


Não se devem misturar alhos com bugalhos. Numa discussão, o que por definição nunca é uma coisa totalmente pacífica, não devemos ir buscar assuntos que não são para ali chamados.
Poderá haver outras questões a debater, outras arestas a limar mas, se não têm a ver com o tema em questão, não devem ser introduzidas na mesma.


Podemos ter proximidade, intimidade, amizade suficientes para nos sentirmos no direito de criticar as atitudes, estilo de vida, etc, de terceiros. Mas se o fizermos, quanto a mim, deve ser na expectativa de poder ajudar. Ora se escolhermos uma discussão para o fazer, isso vai ser totalmente contraproducente. Nessas alturas as pessoas criam carapaças protectoras, dificilmente estarão abertas a ponderar o que lhes for dito.


Se discutimos porque nos sentimos agredidos, magoados, a tendência natural é tentar retribuir. Também nós queremos infligir dano… isso faz com que muitas vezes nos saiam da boca afirmações afiadas que não pensamos. Ou que ataquemos onde sabemos que vai doer mais. São os chamados “golpes baixos”. São atitudes de que passada a tempestade cedo ou tarde, assumida ou interiormente, nos viremos a arrepender.


Palavras fortes também são, a meu ver, a evitar. Quando as pessoas se empolgam, tendem a utilizar superlativos, a exagerar as situações. Os exageros não levam a nada a não ser ao desentendimento. Até em medicina existem escalas de dor… acusar níveis acima da realidade só serve para induzir em erro, para empolar as situações e dificultar a sua resolução.

O falar alto, gritar, é também absolutamente escusado. Quanto mais alto falarmos, mais alto o outro vai responder, para se fazer ouvir. Ás tantas está tudo aos berros. Para além da eventual “vergonha” de alguém nos poder estar a ouvir, de fazermos a chamada “peixeirada”, isso gera desgaste, cansaço. O peso das palavras é transmitido muito mais pela sua escolha e entoação do que pelo seu volume.


Como se costuma dizer “quem nunca pecou, que atire a primeira pedra”… é muito fácil queixar-mo-nos, criticarmos, lançarmos acusações. Mas se tivermos em conta que os nossos telhados também podem ser de vidro, talvez ganhemos uma contenção benéfica à discussão. Por-mo-nos na posição de Mr. Perfect, a quem ninguém tem nada a apontar, só nos desumaniza. Gera uma sensação de injustiça, de perseguição e consequentemente de revolta.


Se o objectivo não é resolver as coisas, não vale a pena discutir. Mas se for essa a intenção, devemos ter em conta que uma história tem várias versões, que ninguém está totalmente certo, nem totalmente errado. Que se houve conflito pode haver responsabilidades de ambos os lados… Se queremos que o nosso ponto de vista seja tido em conta, devemos também estar dispostos a realmente ouvir o do outro.


Finalmente, acho eu, o objectivo de uma discussão não é ganha-la. Não há vencedores nem vencidos, há sim entendimento ou falta dele… As discussões não são taças que levamos para casa e pomos em cima da lareira. O objectivo não é aniquilar o outro, deixa-lo KO… é sim melhorar o relacionamento entre os dois e isso não se faz com provas de força…



6 comentários:

  1. Escrevia com humor o Miguel Esteves Cardoso que em Portugal, numa discussão, se damos razão ao outro ficamos sem ela.

    Uma boa discussão, um confronto de ideias, pode ser muito enriquecedor, mas implica uma abertura e uma humildade que nem sempre temos.

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  2. este teu post eu devia imprimi-lo e cola-lo no frigorifico para o ler todas as manhãs... eu leio o teu post, acho que TENS TODA A RAZÃO, mas quando me vejo numa discussão sou o contrário do que eu acho que devia ser... faço tudo o que não devia fazer: discuto a quente, levanto a voz, exagero nas emoções e se do outro lado da discussão estiver uma pessoa tão imatura como eu: a coisa FERVE!!! E depois tá dito tá dito... não há desculpas... a atitude e as acções ficam com quem as praticam... é uma merda... tenho muito mas mesmo muito para crescer nestas matérias...

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  3. Carlinhos - as "discussões" em que estava a pensar, especificamente, eram mais "figths" do que "discussions"... Sorry lá pelo bifolês mas foi a melhor maneira que arranjei para explicar rapidamente.

    Martissima - Pois... é mais fácil dizer do que fazer...

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  4. @Carlos: E quantas vezes é preciso dessa humildade para saber quando vale a pena falar, e quando vale a pena estar calado? Lembro-me sempre do Galileu :-)

    @Cristina: Bravo! Gabo-te a coragem de escreveres sobre este assunto ;-)

    IMHO, nunca vale a pena saltar-nos a tampa seja pelo que for. Não há qualquer tipo de justificação para a violência verbal. E não podemos depois pensar que é possível pedir desculpa depois de uma agressão verbal e psicológica do tipo que falas. Seria o mesmo que pensar que podemos pedir desculpa por ter dado um murro na mulher/marido.

    Quando se chega ao ponto da gritaria e insultos, já não se trata de uma discussão mas sim de um combate. E num combate as regras são outras. E nunca vi nenhum boxeur vir pedir desculpa pelos dois ganchos de esquerda e o uppercut de direita que puseram o adversário no tapete...

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  5. Pois... "Quando fazemos merda, fazemos merda e esta fica feita, infelizmente a vida não tem botão de undo."

    Li esta pequena passagem duas vezes e pronto... Achei uma contadora de histórias.

    O que seria esta vida insonsa sem o sal das discussões ?

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  6. Pois claro que tens toda a razão, o problema é que as discussões raramente se prendem com a razão.
    As discussões devem ter-se "a frio". Pois, mas é a quente que elas nascem e crescem.
    É um total dispara-te falar-se aos berros. Pois, mas a maior parte das vezes uma discussão só o é quando alguém solta os berros, caso contrário é uma conversa.
    E por aí fora com tudo o que tu já sabes.
    A discussão é, quase sempre, uma reacção de mágoa, de feridas, de revolta, de injustiça. E agora vamos lá ser racionais...
    Tu tens toda a razão mas, a menos que pratiques assiduamente meditação transcendental ou coisa parecida, também terás razão se disseres que o que é fixe é ter sol na eira e chuva no nabal.
    Mas vale a pena manter em mente as tuas premissas, a programação neuro-linguística dá os seus frutos.

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