terça-feira, 15 de novembro de 2011

Uma iluminação da tempestade

COM MÚSICA


No domingo, aquela tempestade que mais parecia o dilúvio, rebentou-nos com a electricidade.
Tinha praticamente acabado de deixar na cama, onde tinha ficado a ler, o meu filhote que veio então  informar que estava “com medo”.
Aos apalpões pelas escadas, voltei para cima e deitei-me com ele na cama.

Comecei por lhe falar um bocadinho das tempestades. Disse-lhe que não fazia sentido nenhum ter medo delas quando se está em casa, numa cama quentinha. Expliquei-lhe que não corria grandes riscos.
Contei-lhe depois como acho bonita a luz de um raio que de repente ilumina uma divisão, como o disparar de um flash na escuridão. Disse-lhe como achava impressionante o barulho do trovão, demonstração imponente da natureza em toda a sua força. Como me fazia sentir o bater da água com força nas janelas, privilegiada e agradecida por ter uma casa confortável e protegida.
Sugeri-lhe que tentasse sentir tudo isto, que sentisse no corpo o ribombar da tempestade, que a apreciasse em vez de temer.

Dois dedos de conversa e um abraço e já estava tudo bem, se é que não tinha sido desculpa para me sacar mais um bocadinho com ele.
Fosse como fosse, dado que de qualquer forma hoje em dia não se consegue fazer nada sem electricidade (quer dizer... lol... quase nada... ) decidi ficar ali mais um tempinho, aconchegada na sua proximidade enquanto adormecia.

Então, enroscada nele, em silêncio, a curtir a tempestade, dei por mim a sofrer de um assustador ataque de saudades...
De saudades dos tempos irresponsáveis em que achávamos que os pais resolviam tudo. Dos tempos em que acreditávamos inocentemente que estávamos protegidos de tudo e de todos. 
Quis, desesperadamente, voltar a ser "filho" e não "pai", o que pondera, o que decide, põe em pratica, gere, consola, protege.
Dei por mim com “inveja” da criança que estava ao meu lado. 
Pensei que não há tempos mais felizes do que aqueles e que eles nem sequer têm consciência disso.

Iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii
(isto é efeito sonoro: agulha de gramofone a guinchar através do prato...)

Péráíiiiiiiiii...
Que raio quer dizer “eles nem sequer têm consciência disso”?!
Estão no Nirvana e não sabem?!
Lá se foi o EU “Bref, je suis comme tout le monde” e desembarcou o EU “ser ou não ser, eis a questão”...
Ora bem... por que raio não têm eles consciência de que são extremamente felizes?!

Trrrrrrrtrrrrrrrrrtrrrrrrrrrtrrrrrrrrrr
(outro efeito sonoro: rufo de tambores)

Porque não são, meus amigos, porque não são... 
Até podem saltar levemente de nenúfar em nenúfar... mas as crianças estão constantemente insatisfeitas com alguma coisa. Coisas essas que sentem a ensombrar a sua felicidade.

Por exemplo, no meu caso, grande parte da infância passou-se a “odiar” padrasto e madrasta. A pensar que só queria crescer para poder decidir com quem me dava e não dava. A ansiar por poder mandar à merda quem ousasse tratar-me de forma que achasse que não merecia.
Não julguem, por isto, que tive uma infância “traumática”. Os “respectivos” dos meus pais eram “gente como eu e você”, não torturadores de criancinhas... simplesmente, cada um à sua maneira, conseguiu fazer-nos um bocado a vida num inferno.

Hoje em dia, quase que tenho de fazer um esforço para descrever em quê exactamente. Ficou aquele amargo de boca, a lembrar que não eram lá muito boas rezes, mas foi-se a importância dos factos, no big deal.
Pusessem-me hoje nas mesmas situações, que eu vos dizia como tratava do assunto... lol
Pois...mas hoje tenho quarenta e seis anos.

Dito isto, não conheço nenhuma criança que não tenha, com maior ou menor intensidade, espírito de “António Variações”.
E isto, meus amigos, gera ansiedade, quer esta seja crónica, em alguns casos ou, mais frequentemente, pontual. A antítese da paz de espírito. ;)
Notem que não estou a sugerir que todas as crianças são infelizes, nada disso, simplesmente que a vida nesses anos não é de todo tão côr de rosa como tendemos a  pinta-la mais tarde.

A realidade é que a felicidade é uma escolha, a escolha de sermos felizes “apesar de”.
Não há épocas das nossas vidas em que nada nos apoquente. Numas alturas são umas coisas, noutras outras. As proporções vão sendo diferentes mas todos os períodos são sobrevoados por nuvens negras.
Não sei se haverá alguém que consiga olhar para a sua infância e sinceramente afirmar que foi um total mar de rosas sem espinhos.

Portanto, meus amigos, toca a viver o aqui e agora, aproveitando o momento, com os seus prós e contras...
Carpe Diem! ;)


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