quarta-feira, 14 de setembro de 2011

O passado é um filme que se vai alterando com o tempo

COM MÚSICA


Temos tendência a encarar o passado como sendo uma coisa estática, imutável, uma sequência de  factos consumados.
Cada vez mais me convenço de que não é bem assim...

A noção que temos de passado é sem dúvida composta pelo que vivemos, o que foi feito, o que foi dito, o que aconteceu... está no entanto também estreitamente ligada ao que vamos assimilando ao longo da vida e àquilo que somos no presente.
A percepção do passado, individual ou colectivo, passa pelo conhecimento que vamos adquirindo com  o tempo, o evoluir da nossa personalidade, as alterações emocionais por que vamos passando.
Em suma, o nosso passado, memória factual mas também emocional, acaba por ser uma coisa muito subjectiva e diferente consoante os estádios da nossa vida, dado que uma afecta a outra.

Jack Nicholson descobriu, já quase com quarenta anos, que aquela que julgava ser sua mãe era na realidade sua avó e que a sua mãe era aquela que julgava ser a sua irmã.
Um Jack de trinta anos recordaria o seu passado como “a minha mãe isto, a minha irmã aquilo”. O Jack actual atribuirá outros nomes ás caras e aos papeis que encarnaram na sua vida. De repente o passado mudou...

Uma das minhas irmãs nasceu no dia 10 de Maio de 1968. Até certo ponto da sua vida, a sua data de nascimento não passava de um dia no calendário, importante para si e para os que lhe eram chegados...
A partir do momento em que tomou conhecimento da questão da revolta estudantil, esta passou a fazer parte integrante do seu passado, quanto mais não fosse pela coincidência.

Eu e ela partilhamos o mesmo pai, a mesma mãe, a mesma infância.
No entanto, ao partilharmos memórias, há coisas de que, uma ou outra, pura e simplesmente não se lembra. Teoricamente estaríamos as duas presentes mas, por alguma razão, para uma de nós foi simplesmente apagado da memória, não existe, não faz aparentemente parte do nosso passado, dado que não nos lembramos.

Da mesma forma, todos teremos certamente conhecimento de actos totalmente repudiados por quem os praticou. E não estou a falar em mentiras ou encobrimentos mas em acções que foram totalmente apagadas da mente de quem as cometeu e para elas são genuinamente como se nunca tivessem acontecido.

A psicanálise vai muitas vezes repescar memórias desvanecidas, de actos cometidos ou sofridos, que passam de um momento para o outro a fazer parte integrante daquilo que somos, daquilo que fomos.

Até no que diz respeito à história universal as opiniões divergem, coabitam várias versões e interpretações do passado.
Ao fazer uma pequena pesquisa para escrever este post, dei de caras com este site. Quem o escreveu (a menos que eu tenha feito uma interpretação completamente errónea do mesmo) não acredita no holocausto nazi. Se alguém que o leia se deixar convencer pelos seus argumentos, estará a criar um passado diferente daquele em que acreditava.

Resumindo, o passado está constantemente a ser reescrito pois não é uma simples acumulação de factos mas também as sua compreensão e interiorização. Acrescentamos ou anulamos dados, encaramo-los com diferentes olhos,  julgamo-los pelo que somos no presente.
Assim, se somos resultado da nossa experiência de vida, a forma como a encaramos acaba por moldar não só aquilo que somos mas também aquilo que fomos.

"Quando se gosta da vida, gosta-se do passado, porque ele é o presente tal como sobreviveu na memória humana." 
Marguerite Yourcenar

2 comentários:

  1. Primeiros! ;-)

    Resumindo, o passado está constantemente a ser reescrito pois não é uma simples acumulação de factos mas também à sua compreensão e interiorização.

    Referes-te concerteza à nossa memória do passado ou a acontecimentos não factuais, pois um facto - pela sua própria definição - não pode sofrer qualquer tipo de interpretação. Simplesmente aconteceu.

    A memória do passado, isso é outra conversa... ver: Perceptional Blindness

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  2. lol

    Bem... este post presta-se sem dúvida a "discussão" interminável... só depois de o escrever me dei conta disso... ;)

    Respondendo à tua questão:
    Sim e não.

    É mais do que evidente de que as coisas, sejam elas quais forem, acontecem ou não acontecem e isso não muda com o tempo.
    Tiveste ou não um filho, tiveste ou não um acidente, a bomba antónia foi ou não lançada em Hiroshima...
    Os factos não se alteram ao longo do tempo (a não ser nas histórias de ficção cientifica...lol).

    Só que a “noção” de passado, não só a memória factual propriamente dita - lembras-te ou não te lembras, estás ou não consciente de certo facto – mas também a sua apreensão, digestão, interiorização, etc... acaba por ser subjectiva.

    Pega no exemplo do Jack Nicholson, que para mim é o melhor para exemplificar o que quis dizer.
    Aos vinte ele tinha uma mãe e uma irmã, aos quarenta uma avó e uma mãe.
    O passado dele, relativo aos dez anos de idade, por exemplo, é sempre igual, claro está, o que fez, o que disse, o que aconteceu...
    Mas a “noção” de passado altera-se radicalmente consoante a idade em que esteja a pensar/falar dele.

    Isto passa-se evidentemente relativamente a UM individuo, que passa a ter uma memória emocional e uma abordagem ao assunto completamente diferente. Para aquelas duas mulheres, por exemplo, essa faceta do passado é sempre a mesma, dado que tinham conhecimento dos factos.

    Agora imagina que ele escrevia a sua biografia (uma biografia é, de certa forma, um apanhado e eventual interpretação do passado, certo?!), esta ia certamente ser completamente diferente consoante a altura em que o fizesse.

    A mesma teoria se pode aplicar à história da humanidade, em geral...

    Era só isso que queria dizer... os factos não mudam, mas aquilo a que chamamos passado, aquilo que encaramos como sendo o nosso passado, individual ou colectivo, pode mudar, sim... ;)

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